Falácia da conjunção

A falácia da conjunção (também conhecida como o problema de Linda) é uma falácia formal que ocorre quando se assume que condições específicas são mais prováveis do que uma única condição geral.

Definição e exemplo básico

Eu sou particularmente dado à este exemplo [o problema de Linda] porque eu sei que a afirmação [conjunto] é menos provável, mesmo assim um pequeno homúnculo na minha cabeça continua pulando, gritando em minha direção—"mas ela não pode ser apenas uma caixa de banco; leia a descrição."
— Stephen J. Gould

 [1]

O exemplo mais citado dessa falácia se originou com Amos Tversky e Daniel Kahneman.[2][3][4] Embora a descrição e a pessoa retratadas sejam fictícias, a secretária de Amos Tversky em Stanford se chamava Linda Covington, e ele deu o nome dela à famosa personagem do puzzle.[carece de fontes?]

Linda tem 31 anos, é solteira, falante e muito inteligente. Ela se formou em filosofia. Quando era estudante, ela se preocupava profundamente com questões de discriminação e justiça social, e também participava de manifestações antinucleares.

O que é mais provável?

  1. Linda é caixa de banco.
  2. Linda é caixa de banco e participa do movimento feminista.

A maioria dos inquiridos escolheu a opção 2. No entanto, a probabilidade de dois eventos ocorrerem juntos (em "conjunção") é sempre menor ou igual à probabilidade de qualquer um ocorrer sozinho - formalmente, para dois eventos A e B, essa desigualdade pode ser escrita como Pr ( A B ) Pr ( A ) {\displaystyle \Pr(A\land B)\leq \Pr(A)} e Pr ( A B ) Pr ( B ) {\displaystyle \Pr(A\land B)\leq \Pr(B)} .

Por exemplo, mesmo escolhendo uma probabilidade muito baixa de Linda ser uma caixa de banco, digamos Pr(Linda ser caixa de banco) = 0,05 e uma alta probabilidade de ela ser feminista, digamos Pr(Linda ser feminista) = 0,95, e então, assumindo independência, Pr(Linda ser caixa de banco & Linda ser feminista) = 0,05 × 0,95 = 0,0475 < Pr(Linda ser caixa de banco).

Tversky e Kahneman argumentam que a maioria das pessoas entende esse problema errado porque usa um procedimento heurístico (um procedimento facilmente calculado) chamado representatividade para fazer esse tipo de julgamento: a opção 2 parece mais "representativa" de Linda com base na descrição dela, mesmo que fique claro matematicamente que é menos provável.[4]

Em outras demonstrações, eles argumentaram que um cenário específico parecia mais provável devido à representatividade, mas cada detalhe adicionado tornaria o cenário cada vez menos provável. Desta forma, pode ser semelhante à vivacidade enganosa ou às falácias da bola de neve. Mais recentemente, Kahneman argumentou que a falácia da conjunção é um tipo de negligência da extensão.[5]

Avaliar uma conjunção de dois eventos como mais provável do que apenas um dos eventos é um exemplo de erro de conjunção; a tendência humana de fazer isso em geral é conhecida como falácia da conjunção. Essa distinção é importante porque uma pessoa fazendo o raciocínio poderia cometer esses erros sem necessariamente ter uma tendência a cometer tais erros em geral, assim como as pessoas podem fazer apostas com um bom valor esperado em geral e ainda perder dinheiro em apostas específicas.

Avaliação conjunta vs. separada

Em algumas demonstrações experimentais, a opção conjunta é avaliada separadamente de sua opção básica. Em outras palavras, um grupo de participantes é pedido para classificar a probabilidade de que Linda seja uma caixa de banco, uma professora do ensino médio e várias outras opções, e outro grupo é convidado a classificar a ordem se Linda é uma caixa de banco e ativa no movimento feminista vs. o mesmo conjunto de opções (sem "Linda é uma caixa de banco" como uma opção). Nesse tipo de demonstração, diferentes grupos de sujeitos classificam Linda como caixa de banco e ativa no movimento feminista mais do que Linda como caixa de banco.[4]

Experimentos de avaliação separados precederam os primeiros experimentos de avaliação conjunta, e Kahneman e Tversky ficaram surpresos quando o efeito ainda foi observado sob avaliação conjunta.[6]

Em avaliação separada, o termo efeito de conjunção pode ser preferido.[4]

Outros exemplos

Embora o problema de Linda seja o exemplo mais conhecido, os pesquisadores desenvolveram dezenas de problemas que suscitam de forma confiável a falácia da conjunção.

Tversky & Kahneman (1981)

O relatório original de Tversky & Kahneman[2][a] (posteriormente republicado como capítulo de um livro[3]) descreveu quatro problemas que geraram a falácia da conjunção, incluindo o problema de Linda. Havia também um problema semelhante com um homem chamado Bill (que cabe bem no estereótipo de um contador — "inteligente, mas sem imaginação, compulsivo e geralmente sem vida" — mas que não cabe bem no estereótipo de um músico de jazz), e dois problemas em que os participantes foram pedidos de fazer previsões para 1981.

Especialistas em política foram solicitados a avaliar a probabilidade de que a União Soviética invadisse a Polônia e os Estados Unidos rompessem as relações diplomáticas, tudo no ano seguinte. Eles avaliaram em média como tendo 4% de probabilidade de ocorrer. Outro grupo de especialistas foi solicitado a avaliar a probabilidade de simplesmente os Estados Unidos romperem as relações com a União Soviética no ano seguinte. Eles deram uma probabilidade média de apenas 1%.

Em um experimento realizado em 1980, os entrevistados foram perguntados o seguinte:

Suponha que Björn Borg chegue à final de Wimbledon em 1981. Classifique os resultados a seguir, do mais para o menos provável.

  • Borg vai ganhar a partida.
  • Borg vai perder o primeiro set.
  • Borg perderá o primeiro set, mas ganhará a partida.
  • Borg vai ganhar o primeiro set, mas perder a partida.

Em média, os participantes classificaram "Borg perderá o primeiro set, mas ganhará a partida" como sendo mais provável do que "Borg perderá o primeiro set".

Tversky & Kahneman (1983)

Tversky e Kahneman seguiram suas descobertas originais com um artigo de 1983[4] que examinou dezenas de novos problemas, a maioria deles com múltiplas variações. A seguir estão alguns exemplos.

Considere um dado regular de seis lados com quatro faces azuis e duas vermelhas. O dado será lançado 20 vezes e a sequência de azuis (A) e vermelhos (V) será registrada. Você é solicitado a selecionar uma sequência, de um conjunto de três, e ganhará R$25 se a sequência escolhida aparecer em lançamentos sucessivos do dado.[b]

  1. VAVVV
  2. AVAVVV
  3. AVVVVV

65% dos participantes escolheram a segunda sequência, embora a opção 1 esteja contida nela e seja mais curta do que as outras opções. Em uma versão em que a aposta de R$25 era apenas hipotética, os resultados não diferiram significativamente. Tversky e Kahneman argumentaram que a sequência 2 parece "representativa" de uma sequência causal[4].

Uma pesquisa de saúde foi conduzida em uma amostra representativa de homens adultos em British Columbia de todas as idades e ocupações.

O Sr. F. foi incluído na amostra. Ele foi selecionado por acaso na lista de participantes.

Qual das afirmações a seguir é mais provável? (marque um)

  1. O Sr. F. teve um ou mais ataques cardíacos.
  2. O Sr. F. teve um ou mais ataques cardíacos e tem mais de 55 anos.

A probabilidade das conjunções nunca é maior do que de seus conjuntos. Portanto, a primeira escolha é mais provável.

Críticas

Críticos como Gerd Gigerenzer e Ralph Hertwig criticaram o problema de Linda por motivos como o texto e o enquadramento . A questão do problema de Linda pode violar máximas conversacionais, pois as pessoas presumem que a questão obedece à máxima da relevância. Gigerenzer argumenta que algumas das terminologias usadas têm significados polissêmicos, cujas alternativas ele afirmava serem mais "naturais". Ele argumenta que o significado de provável ("o que acontece frequentemente") corresponde à probabilidade matemática em que as pessoas devem ser testadas, mas os significados de provável ("o que é plausível" e "se há evidência") não.[7][8] O termo "e" tem até mesmo sido argumentado como tendo significados polissêmicos relevantes.[9] Muitas técnicas foram desenvolvidas para controlar essa possível interpretação errônea, mas nenhuma delas mudou o efeito.[10][11]

Notas

  1. No artigo em inglês a referência do relatório é do ano 1981, porém a referência em si[2] é do ano 1972. Veja a bibliografia para mais detalhes.
  2. Adaptado da versão em inglês que utiliza Verde e Vermelho. Como os dois começam com a mesma letra em português, "verde" foi mudado para "azul".

Referências

Citações

  1. Gould, Stephen J. (1988). «The Streak of Streaks». The New York Review of Books 
  2. a b c Kahneman & Tversky 1972.
  3. a b Kahneman, Slovic & Tversky 1982.
  4. a b c d e f Tversky & Kahneman 1983.
  5. Kahneman & Tversky 2000, Evaluation by moments, past and future.
  6. Kahneman 2011, pp. 156-165, Linda: Less is More.
  7. Gigerenzer 1996.
  8. Hertwig & Gigerenzer 1999.
  9. Mellers, Hertwig & Kahneman 2001.
  10. Moro 2008.
  11. Tentori & Crupi 2012.

Bibliografia

  • Gigerenzer, Gerd (1996). «On narrow norms and vague heuristics: A reply to Kahneman and Tversky.». APA PsycNet. Psychological Review (em inglês). 103 (3): 592–596. ISSN 1939-1471. doi:10.1037/0033-295X.103.3.592. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Hertwig, Ralph; Gigerenzer, Gerd (1 de dezembro de 1999). «The "conjunction fallacy" revisited : How intelligent inferences look like reasoning errors». Journal of Behavioral Decision Making (em inglês). 12 (4): 275–305. ISSN 1099-0771. doi:10.1002/(SICI)1099-0771(199912)12:4<275::AID-BDM323>3.0.CO;2-M. Consultado em 17 de novembro de 2021. Cópia arquivada em 1 de dezembro de 1999 
  • Kahneman, Daniel (2011). Thinking, Fast and Slow (em inglês). United Kingdom: Penguin Books Limited. ISBN 978-0-141918921. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Kahneman, Daniel; Slovic, Stewart P.; Tversky, Amos (abril de 1982). Judgment Under Uncertainty: Heuristics and Biases (em inglês). Espanha: Cambridge University Press. ISBN 978-0-521-28414-1. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Kahneman, Daniel; Tversky, Amos (julho de 1972). «Subjective probability: A judgment of representativeness». ScienceDirect. Cognitive Psychology (em inglês). 3 (3): 430–454. ISSN 0010-0285. doi:10.1016/0010-0285(72)90016-3. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Kahneman, Daniel; Tversky, Amos (25 de setembro de 2000). Choices, Values, and Frames (em inglês). United Kingdom: Cambridge University Press. ISBN 978-0-521-62749-8. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Mellers, Barbara; Hertwig, Ralph; Kahneman, Daniel (julho de 2001). «Do Frequency Representations Eliminate Conjunction Effects? An Exercise in Adversarial Collaboration». Sage Journals. Psychological Science (em inglês). 12 (4): 269–275. ISSN 0956-7976. doi:10.1111/1467-9280.00350. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Moro, Rodrigo (30 de julho de 2008). «On the nature of the conjunction fallacy». Springer Link. Synthese (em inglês). 171 (1): 1–24. ISSN 1573-0964. doi:10.1007/s11229-008-9377-8. Consultado em 17 de novembro de 2021 
  • Tentori, Katya; Crupi, Vincenzo (2012). «On the conjunction fallacy and the meaning of and, yet again: A reply to Hertwig, Benz, and Krauss» (PDF). ScienceDirect. Cognition. 122 (2): 123–134. PMID 22079517. doi:10.1016/j.cognition.2011.09.002. Consultado em 17 de novembro de 2021. Cópia arquivada (PDF) em 10 de maio de 2016 
  • Tversky, Amos; Kahneman, Daniel (outubro de 1983). «Extension versus intuitive reasoning: The conjunction fallacy in probability judgment». Psychological Review (em inglês). 90 (4): 293–315. doi:10.1037/0033-295X.90.4.293. Consultado em 17 de novembro de 2021. Cópia arquivada em 23 de fevereiro de 2013